irmãos praguinha
quinta-feira, setembro 20, 2007
  A ilha, de Fernando Sabino
Não sei o que é mais criativo e escatológico: as historietas de Sabino que me acompanham nas mesas de bar da ilha ou os moradores que teimam em me distrair com o cotidiano digno de alguém mais competente para resenhá-lo.

Para narrar com mais precisão o choro manhoso mas realmente dolorido da menina estatelada na ruazinha poeirenta depois de enfiar o pé entre os aros da bici que giravam sem dó, aquelas tipo Barra Forte, perfeitas pra carregar passageiro no quadro na falta de garupa, perfeitas pra derrubar passageiro.

Alguém mais competente para descrever a classe com que enfiou o pai o rabicó entre as pernas. Bravo, ignorante, insensível e beirando a violência no início, aos brados de Falei pra você tomar cuidado com o pé, ô sua burra!, umas cinco ou seis vezes, como se além de toda arranhada e com suspeita de luxação, a desgraçada fosse surda, o bronco foi ficando todo pianinho à medida em que os populares se aproximavam. Deu-se conta que apesar de burra, teimosa e desastrada, a menina estava machucada, e o povaréu a cercá-lo, quase todas mulheres, exigia uma providência. Tomado por um irreconhecível desapego, encostou a Monark no meio-fio e, sem sequer pedir pra alguém cuidar, acolheu a pequenina nos braços, mais jeitoso do que nunca, e saiu em disparada a confortá-la, Te levo lá agora mesmo, é rapidinho, meu amor.

Enquanto isso, a uns dez minutos dali a pé, a senhora submissa percebe que a obra vai demorar bem mais que o previsto, conforme a vizinha havia alertado, O barato sai caro, comadre, contrata gente de responsa. Ela quase chegando em casa e não é que o vida mansa vem no sentido contrário, assobiando Faroeste Caboclo por não saber a letra...

- Já vai?
- Já. Chega essa hora o estômago começa a roncar, não dá pra ficar mais não.
- Hoje não volta não?
- Não, só amanhã. Já fiz isso, isso e aquilo, amanhã faço mais um pouquinho. É assim mesmo, devagarzinho a gente chega lá.

Retoma o passo rumo ao Rei do Camarão, ao lado do Píer, onde uma Itaipava gelada o espera, e deixa a patroa falando sozinha. São três da tarde quando ela percebe que a obra vai demorar bem mais que o previsto, conforme a vizinha havia alertado. Mas na manhã seguinte chega uma notícia boa pra compensar. Não se trata do pedreiro, já que é sábado e agora só na segunda. Após passar a noite inteira preocupada com a desconhecida que ia precisar amputar o pé por causa de uma desgraceira de um atropelamento de uma Caloi 10, Sempre achei Monark mais confiável, recebe da comadre a notícia que alivia, Foi só um arranhão, é filha do Zé Teodoro, homem de Deus, evangélico de ir no culto todo dia aqui nessa abençoada Ilha Grande, que Deus nos guie e guarde.

Na rua central, no mesmo metro quadrado da tragédia anterior, outra garota cai da bicicleta. Cospe na ponta dos três dedos mais longos da mão direita, passa no joelho, ajeita a mochila da escola nas costas e segue decidida rumo ao próximo tombo. Criança é assim mesmo, só apronta.
 
o mais velho vive em brasília, o caçula em são paulo. um é jornalista, o outro acadêmico. um trabalha no governo lula, o outro pro kassab. eles se dão bem, mas geralmente discordam no que se refere a política, fenômeno seriamente agravado pela experiência de lula na presidência. daí a idéia de criar um espaço para promover este debate. histórias curiosas do dia-a-dia e outros temas tb entram, afinal, ninguém merece...

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