Até quando dá para cozinhar o galo?
Sempre fui, e continuo sendo, um entusiasta da integração sul-americana. Acho mesmo que temos que investir nisso. Além das afinidades culturais e históricas todas, do fato ser uma delícia pegar um avião e, depois de três horas, estar em outro país falando portunhol e se sentindo em casa, há o simples fato de que se juntar aos vizinhos é a forma geograficamente mais prática e viável de se fortalecer frente ao resto do mundo. Ou seja, há o pragmatismo econômico e o romantismo cultural, portanto, motivo suficiente.
Mas ultimamente, tenho visto crescer um empecilho estrutural. A maneira como a integração tem sido feita não é compatível com a tradição diplomática brasileira. Mude-se a tradição, então?! Acho difícil. Acho que a atual gestão já deu passos significativos, até onde foi possível, e ainda assim está longe do ponto de convergência com o chavismo.
O Itamaraty tem um longo histórico de privilegiar a aproximação com os hermanos, mas talvez mais longo ainda de ficar em cima do muro e não arrumar confusão com ninguém. E isso ainda é uma realidade. O presidente fala mal da invasão ao Iraque, da poluição ambiental e marca posição em vários outros aspectos, mas a chancelaria segue firme negociando com todo mundo, procurando boas oportunidades. Não é à toa que Lula foi andar de Bushmóvel em Camp David.
A história do Banco do Sul, por exemplo. Há quem diga que levaria anos, ou décadas, para os membros conseguirem obter recursos a juros compensatórios porque Venezuela, Bolívia, Argentina, enfim, os cabeças-de-chave da instituição não têm crédito no mercado. É óbvio que politicamente faz todo o sentido desenvolver um banco regional, que crie suas regras baseado nas necessidades e idiossincrasias daqui, não de lá. Mas está claro também, pelos recentes depoimentos do nosso presidente, que ele não está a fim de mergulhar numa história que pode ser uma furada em termos de economia, de mercado. E aí ele fica cozinhando o galo. E daí minha impressão de que o racha pode crescer, de que os discursos – ainda bem afinados e empolgantes – estão um tom além da prática.
Espero estar errado. E poder ver como modelo a Europa, um bloco que funciona bem em suas divergências, onde alguns não aceitam até hoje a moeda única.