irmãos praguinha
quinta-feira, julho 19, 2007
  Do tédio
Há alguns meses, li um artigo de Nelson Ascher na Folha de S. Paulo em que ele falava do tédio. Dizia ele que, com o advento da industrialização e o conseqüente aumento do bem-estar e do tempo livre da população em geral (pois antes somente os nobres tinham tempo ocioso), o tédio seria um mal de nossas sociedades modernas. Isto acometeria a todos, desde adultos enfurnados em shoppings nos finais de semana, às crianças, cujas tardes estariam todas preenchidas por atividades que variam do kumon à natação.
Prestando mais atenção ao meu redor, percebi que o autor tinha razão, que as pessoas fazem isso e, inclusive, reclamam disso o tempo todo. É possível ver estudantes sem ter o que fazer nas férias, pais de classe média que não têm outra atividade que não a troca incessante de seus equipamentos eletrônicos, sempre buscando o último modelo da categoria. Segundo o mesmo autor citado, isto leva, entre outras coisas, a loucuras como o recente extermínio praticado por um jovem sul-coreano em uma universidade norte-americana. Isto não deixa de ter seu lado de verdade. Segundo outro autor, Francis Fukuyama, um dos motivos da 1a Guerra Mundial foi o tédio dos jovens, especialmente os jovens alemães, que encontraram na guerra a possibilidade de extravasar suas emoções.
De qualquer forma, este não é um tema menor, de modo que até mesmo sociólogos do trabalho têm dado atenção a ele, como é o caso do italiano Domenico de Masi, para quem, no século XXI, deve-se pensar no ócio criativo, as pessoas teriam que se reeducar para aprender a usar o inevitável tempo livre que surgirá, e ao qual não estamos acostumados, e queiramos ou não admitir, tememos.
Outro aspecto realçado por Ascher é a indústria do entretenimento, corolário do tédio. Hoje em dia, há todo um leque de opções de lazer para todos, desde cassinos à nova onda da indústria cinematográfica, os “kinoplex”. Isto me lembra um professor meu, que pedia que atentássemos para a etimologia de palavras como entretenimento e distração, pois todas remetem à idéia de não prestar atenção ao que se faz, a distrair-se mesmo. E ele dizia que devíamos tomar cuidado com isso, para que não deixássemos de pensar, e passarmos todo o tempo entretidos. Ao lembrar disso, pensei imediatamente em alguns escritos do velho Pascal, aquele mesmo da matemática e do “coração tem razões que a própria razão desconhece”. Ele (lembrando que escrevia no século XVI e tinha forte viés cristão) também ficava puto da vida com a idéia de que as pessoas não pensassem nas coisas realmente relevantes da vida, como o que fazemos aqui na Terra, de onde viemos e para onde vamos.
Segundo ele, nossa alma está de passagem aqui, e ela não quer ter de pensar nessa passagem efêmera pela Terra, daí que surgem, em nossas vidas, a diversão, o passatempo. Estes seriam distrações para que evitássemos a amargura e o sofrimento de sentir, de sentir a si mesmo. Para Pascal, “a alma não acha nada em si que a contente; não vê nada que não aflija quando medita”.uma outra frase do autor parece extremamente atual: “Desde a infância...atormentam-nos com negócios, com a aprendizagem de línguas e das ciências...dão-lhes cargos e negócios que is fazem labutar desde o despontar do dia”. Ele chega ao extremo de dizer que toda infelicidade do homem vem do fato de ele não saber ficar em repouso num quarto. E que se soubesse fazer isso, “não sairia para ir à praia”. Assim, o homem deixaria de pensar para não enfrentar sua condição miserável!
Resumindo, o tédio está aí, à vista para todos. Será que o entretenimento puro e simples será o suficiente para nos livrar dele? E será que isso seria menos dignificante mesmo, como dizem alguns? Bom, perguntas para pensar...o que já dá indícios da minha opinião.
 
Comments:
estimado caçula,
em primeiro lugar, sugiro que vc use uma letra menor para escrever seus tratados, como eu faço, senão some todo o resto.
adicionalmente, peço que me informe se descobrir algum curso de como aproveitar o ócio sem culpa, coisa que nossa criação católica e workaholic não me permite. assim estarei pronto para usufruir o advento do ócio, que na minha vida ainda não chegou, mas espero que chegue.
bela contribuição, mandou bem!
 
Meus adorados,
é um tema realmente interessante, que vocês podem discutir e, quem sabe, ajudar pessoas "hipercatólicas" e workaholic, que serão beneficiadas em breve de eventuais soluções para amenizar o tédio, que espero que nem chegue à vida de vocês diante do ócio que há de tardar a chegar! Mas também espero que não falte repouso e lazer na vida de vocês e que ela seja vivida com muita qualidade!
 
ora ora, eis que mamãe praguinha se manifestou, com sua habitual ironia sutil e pacífica.
seria este um sinal de que está se permitindo alguns átimos a mais de ócio sem culpa?!
beijos vagabundos
 
O ócio é historicamente um privilégio dos dominadores. Vê-se isso entre os gregos, bem como nas relações de suserania e vassalagem do feudalismo e, por que não?, na nossa seminobreza agrário-exportadora. A grande questão que se coloca é a socialização do ócio, o ócio para todos, com a possibilidade bizarra e extrema do ócio compulsório. Já pensou? Servos e senhores dividindo o morder do capim e a reflexão sobre donde vimos e para onde vamos. De fato, um mundo diferente.
 
Quando estudei o livro Por que estudar a Mídia o autor Roger Silverstone aborda, entre outros assuntos, a questão do avanço da globalização na sociedade resulta (na minha opinião) no tédio.

As pessoas buscam novas diversões para acabar com o tempo ocioso. E acaba consumindo muito (superficialmente) tudo para tentar esgotar esse "tédio".

Acredito que as crianças e as pessoas de classe média para cima são entediadas pois nada fazem para mudar. "É assim mesmo. Não tem como mudar". Para eles a solução é consumir, consumir e consumir. Seja produtos ou notícias.

Júlio, muito bacana as suas considerações. Sempre que der, farei visitas!

Bjs
 
valeu babi, mas esse texto é do meu irmão na verdade. a gente não assina pra ficar uma coisa mais coletiva. mas uma dica: os deles costumam ser bem maiores e mais profundos. embora caçula, ele é mais inteligente que eu.
e valeu tb jayme pela visita. pela qualidade do comentário, imagino que seja o do "dito assim".
é isso, vamos cultivar o máximo possível de ócio pra poder ler bons blogs.
abraços aos dois novos leitores
 
Ops.. que engano terrível.

Dou os créditos ao seu estimado irmão, ok Júlio?!

Desengano desfeito.

Abraços
 
obrigado a todos pelos comentarios e, em especial, ao meu irmao pelos elogios...mas digamos, julio, q eu apenas tenho mais tempo de ocio para estudar e fazer elucubraçoes...heheh..e mesmo assim escrevo menos q vc!
 
elucubrações? sempre achei que fossem elocubrações. tá vendo como o caçula é mais inteligente...
 
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o mais velho vive em brasília, o caçula em são paulo. um é jornalista, o outro acadêmico. um trabalha no governo lula, o outro pro kassab. eles se dão bem, mas geralmente discordam no que se refere a política, fenômeno seriamente agravado pela experiência de lula na presidência. daí a idéia de criar um espaço para promover este debate. histórias curiosas do dia-a-dia e outros temas tb entram, afinal, ninguém merece...

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