irmãos praguinha
sexta-feira, novembro 25, 2011
  Monti, Papademos e o rei-filósofo de Platão
A atual crise na União Europeia e a recente substituição de políticos eleitos democraticamente na Itália e na Grécia por técnicos para que implementem medidas de ajuste econômico traz à tona uma importante questão tanto do ponto de vista teórico para a ciência política como na prática para os povos que terão de lidar com as consequências de medidas econômicas austeras: quem deve conduzir e como deve ser conduzida a política de um país?

De um lado estão aqueles que defendem um governo técnico, racional, amparado na análise científica dos problemas que acometem as populações e alheio às pressões políticas. O cientista político Charles Lindblom afirmou, há 3 décadas, que os defensores dessa visão “consideram a política adequada como o resultado de um processo intelectual… Se levarmos estas ideias à sua conclusão lógica… o governante ideal se assemelharia ao rei-filósofo de Platão – não poderia ser escolhido mediante processo político como é a eleição”. É dentro desta chave que devem ser compreendidas as indicações de Monti na Itália e Papademos na Grécia.

Esta visão é endossada, principalmente, pelos agentes do mercado financeiro – basta lembrar que a Goldman Sachs emitiu uma nota pouco antes da queda de Berlusconi em que afirmava que um governo técnico na Itália teria maior credibilidade. Cabe a pergunta: credibilidade junto a quem? A resposta a esta pergunta pode nos dar algumas pistas sobre os limites desse tipo de argumentação a-política (que acaba, muitas vezes, tornando-se antipolítica).

Evidentemente, esses grupos financeiros têm fortes interesses em jogo e querem que as perdas sejam socializadas, como ocorreu na crise de 2008. Assim, o que eles chamam de credibilidade é, na verdade, medidas econômicas que garantam seus lucros e não lhes imponham perdas. Sob a roupagem da tecnicidade, interesses privados aparecem como neutros, medidas parciais e enviesadas são apresentadas como de interesse público e decisões políticas são tomadas como se fossem escolhas técnicas alheias a quaisquer interesses sociais.

Escancara-se, assim, o primeiro defeito dessa visão: a ideia de que não haveria conflito de interesses na sociedade, podendo-se alcançar uma política que seja benéfica a todos. Acontece que todas as políticas, de uma maneira ou de outra, beneficiam alguns grupos em detrimento de outros. Não se pode, portanto, estipular um critério objetivo que garanta a maximização do bem-estar para todos os grupos. Fosse possível, não haveria nenhuma dificuldade em negociar o calote grego até o ponto necessário para que o país tire a corda do pescoço. Tal argumento busca, assim, esconder conflitos sociais inerentes à sociedade.

O outro problema grave vinculado a essa visão puramente técnica diz respeito aos limites da razão humana para a compreensão e o enfrentamento dos problemas que acometem as sociedades. Significa dizer que não é possível propor soluções definitivas para todos os problemas nem prever as consequências de todas nossas ações (ou alguém imagina que os ex-premiês da Grécia e da Itália não estavam cercados de competentes assessores técnicos que, mesmo assim, não conseguiram resolver o problema?). Isto é facilmente perceptível na atual conjuntura, posto que na Grécia, por exemplo, a crise se arrasta há mais de 1 ano e ninguém previu que o forte ônus imposto ao país obstaria o crescimento e, por conseguinte, a própria capacidade do governo de garantir seus compromissos financeiros.

Diante desse cenário, devemos resgatar a visão alternativa ao governo meramente técnico, qual seja, a da política como interação entre os diversos grupos sociais, partidos e políticos em conflito de modo a se alcançar uma solução de compromisso para os problemas sociais. Esta visão não abre mão das análises técnicas para embasar suas escolhas, mas enfatiza a troca de ideias, a negociação, a barganha e a pressão política com vistas a se alcançar soluções viáveis, dados os constrangimentos da situação. Pode parecer contraintuitivo, ante o fato de que governos eleitos caíram por não seram capazes de contornar a situação, mas é justamente a política que tem o condão de reorganizar e aglutinar forças sociais em torno de alguma solução factível dentro da conjuntura de cada país.

A visão ancorada na política é mais realista e democrática, na medida em que enxerga a política como uma arena de conflitos e prevê, portanto, um espaço de diálogo para que os diversos grupos sentem à mesa e negociem. É preciso ouvir o que as pessoas nas ruas têm a dizer (sob este ângulo, faz sentido a atitude tomada pelo ex-premiê grego ao convocar um referendo para que a população decidisse a respeito do plano de resgate na zona do euro. Este argumento deve ser matizado, no entanto, pois ao fazer parte da União Europeia, o país helênico também tem responsabilidades perante as instituições daquela organização supranacional). É nesse sentido que os novos governos ditos técnicos que assumiram na Grécia e na Itália devem politizar-se (o ideal, evidentemente, é que novas eleições fossem convocadas). Isso significa reconhecer que haverá vencedores e perdedores entre os grupos sociais e que, por isso mesmo, os governos devem ser responsivos e accountable em relação à sua população. Bem ou mal, governos eleitos representam as diversas forças sociais e estão respaldados pelas urnas, diferentemente dos técnicos, o que significa que aqueles podem ser trocados pelos eleitores. Esta é a força da democracia. Quem poderia supor, por exemplo, que no Brasil, o povo elegeria um sociólogo e um metalúrgico, os quais colocariam o Brasil na trilha do desenvolvimento? É hora de aprofundar a democracia, e não de apostar em reis-filosófos sem legitimidade popular.
 
Comments:
É hora de eleger luis inacio, depois da quimio, claro, pra presidir a uniao europeia.
 
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o mais velho vive em brasília, o caçula em são paulo. um é jornalista, o outro acadêmico. um trabalha no governo lula, o outro pro kassab. eles se dão bem, mas geralmente discordam no que se refere a política, fenômeno seriamente agravado pela experiência de lula na presidência. daí a idéia de criar um espaço para promover este debate. histórias curiosas do dia-a-dia e outros temas tb entram, afinal, ninguém merece...

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